Prometheus é o novo filme de Ridley Scott, marca sua retomada a ficção científica após três décadas depois de Blade Runner e traz a premissa de explicar quem era o Navegador (Space Jockey) fossilizado na espaçonave encravada no planetoide LV-426 (Alien - 1979).
A partir daí o filme envereda em temas que, muito embora interessantes, lançam uma trama de ideias tão grande que simplesmente lhe saem do controle. Ao tentar laçar o espectador em seus questionamentos ele exagera no niilismo, se enrola, tropeça e faz uma bagunça enorme. A sensação geral é de que algo muito simples foi maquiado para parecer grandioso, de que um mecanismo mundano, que faz algo extremamente banal, foi enfeitado com engrenagens e alavancas e luzes piscando, mas se você olhar (nem tão) atentamente, vai ver algo bem simplório.
Ao final do filme não dá para sair sem aquele gosto azedo na boca e a sensação de que algo não esta certo, de que, ao invés de tentar estimular seu cérebro, seus sentidos, ele tentou esconder algo, entortou, retorceu e quebrou em vários pedacinhos. Ficou mais complicado entender, mas isso não quer dizer que tenha algo muito importante para ser entendido.
Vejam bem, Alien (do mesmo Ridley Scott) sofreu duras críticas quando de seu lançamento: era simplesmente um filminho padrão de terror que se passava em uma nave espacial. E era basicamente isso mesmo, mas Alien era conciso e tinha encarnado um potencial gigantesco, que brotou do roteiro, mas ganhou tanta força e independência que moldou tudo o que venho depois. Era sutil, visual, e nasceu da mente de um grande artista: H.R. Giger. Foi ele quem pariu Alien visualmente, e é nessa representação que repousa e encontra força todo o interesse em sua mitologia. Foi Giger quem também concebeu o Navegador, e ele não precisou de muito tempo de tela para demonstrar angústia, solidão, desespero e mistério, bastou uma ilustração materializada num estúdio de filmagem.
Essa ideia, da sutileza visual retórica faltou em Prometheus, que preferiu expor muita coisa na forma de diálogos e interpretações. Neste modelo o filme precisaria de um ritmo suficientemente dosado para chegar onde queria, o que se mostrou impossível nas duas horas de duração da edição que esta sendo exibida.
A partir de um momento tudo parece corrido, apressado, e justamente quando deveria começar a explicar, desenvolver e explorar seus próprios conceitos. Na tentativa de construir algo complexo e filosofal Prometheus acaba se mostrando raso. Faltou amarrar todas as referências religiosas, mitológicas e antropológicas a algo original e conciso, e não simplesmente jogar na cara da audiência todo esse emaranhado desconexo.
Esse problema do filme apressado respinga no pouco espaço para desenvolver as personagens. Se você manda 17 pessoas para um planeta inóspito nos confins do espaço sideral, e não consegue estabelecer identidade ou vínculo com eles, se espera ao menos que seus destinos sejam interessantes. O que também não ocorre, os casacas vermelhas de Prometheus morrem como moscas durante o filme, mas de formas bem desinteressantes e até estúpidas. Nada tão marcante como a agonia e desespero de ter o peito sendo carcomido de dentro para fora culminando com uma explosão de sangue, tripas e ossos quebrados. Existe essa tentativa, mas o que deveria ser algo repulsivo e psicologicamente devastante como um aborto alto infringido acabou representado limpo, antisséptico, inconsequente e banal.
Enquadramentos abertos em cenas de tensão pontual, excesso de imagens borradas em sequências de ação e pouco sangue na tela, Prometheus não se valoriza. Tudo bem, o filme pode não ter a proposta de suspense ou terror, mas algumas das coisas que acontecem ali tinham um potencial enorme de aterrorizar e foram amenizadas, perderam força e até sentido dentro do roteiro. Que alias, é uma colcha de retalhos, houveram tantas alterações, interferências e adaptações a estória original, durante todo o tempo de produção (5 anos), que o resultado final não se sustentou.
O filme talvez funcionasse melhor se as questões que tenta levantar: origem do homem, mitologia, sentido da vida, religiosidade, fossem apresentadas de forma mais sutil, sob uma boa estória bem contada , estruturada e com personagens melhor desenvolvidos. E neste ponto Prometheus é o parquinho de diversões de Michael Fassbender. Dependesse dele Prometheus seria a estória de um androide (David) brincando de Deus. Enquanto parece que todos os atores do filme foram sacrificados pela tesoura da edição, Fassbender reluziu, Noomi Rapace (Shaw) tentou e todo o resto são só trejeitos e sotaques interessantes, e isso não parece culpa do elenco.
Voltando a questão estética, ao imaginar a origem do Navegador em Alien, como algo que brotou naquela cadeira, uma criatura solitária presa em sua função durante décadas, séculos, observando imóvel o espaço. A angústia de ter seu corpo violado sem poder reagir e morrer em agonia solitário com uma explosão no peito. Esse tipo de exercício de criatividade pode ser feito com muito poucos elementos, mas eles precisam ser fortes, isso Giger nos proporcionou.
Agora, Prometheus não tem muito disso, não existe nada de inédito ali que estimule tanto a curiosidade como Alien o fez. Na verdade é quase tudo reciclado: história, religião e mitologia. Em 1979 algumas decisões foram tomadas baseadas no orçamento do filme, e por incrível que pareça o corte no bolso foi o que trouxe uma das coisas mais interessantes ao filme. Se Scott pudesse ter filmado Alien como em seu roteiro, muito da mitologia dele estaria perdida, pois a curiosidade e imaginação que as fizeram ganhar força durante todos esses anos seria podada prematuramente.
E é isso que vemos em Prometheus, a explicação de algo que não precisava ser explicado. Algo contraditório ao próprio Ridley Scott, que nas horas vagas de pintor dizia que suas telas deveriam permanecer inacabadas, para que algo pudesse pela imaginação surgir delas. O que ele fez com Prometheus foi pegar uma de suas telas que não precisava de retoque algum e preencher os espaços vazios. Prometheus não tinha a necessidade de se apoderar de Alien, a estória poderia ser desenvolvida com base em qualquer outra coisa. Quando usou como base sua antiga criação, trouxe também a expectativa de algo inovador e interessante, mas frustrou pelo resultado.
Isso tudo faz de Prometheus um filme ruim? Não, claro que não, Prometheus é um bom filme de ficção científica mas que deve ser observado pelo tamanho da importância que quis trazer a si. O diretor, roteiristas e atores em entrevistas, os trailers fartamente divulgados expondo cada detalhe do filme bem antes de seu lançamento, foi construído um cenário que não não correspondeu na tela. Desde antes de seu lançamento a equipe vem tentando explicá-lo, contextualizar suas cenas, um artista não deveria perder tanto tempo explicando sua obra, ela deveria falar por si própria.
Enquanto Prometheus tenta levantar grandes questões ele deveria ter sido mais humilde e respondido primeiramente de forma mais competente questões mais básicas e mundanas como furos no roteiro e inconsistências na atuação, pequenos problemas que são amplificados frente a pretensão do roteiro.
No final das contas é um bom filme de ficção científica na forma como foi apresentado, é tecnicamente bem executado mas cujo maior defeito foi tentar parecer algo muito maior do que teve a capacidade de ser. Todos os elementos de um grande filme estão ali, mas esta tudo tão condensado e escondido, a todo momento seu potencial parece prestes a explodir, mas devido a má calibragem nunca emplacam. As questões levantadas, assim como a forma com que as amarra à ficção, e a própria mitologia da ficção, tem o potencial de gerar muitas discussões e especulações, tem material ali para justificar roteiros paralelos e até continuações.
Uma nova edição, com mais tempo de tela lhe faria um bem tremendo, poderia até transformá-lo em algo que não parecesse prematuro, mas neste momento, fica a sensação de que Prometheus é mais a semente de coisas vindouras que algo completo, mais uma franquia a ser vendida que uma obra fechada, algo que tentou voar e se espatifou em pequenos pedaços, que agora podem ou não germinar coisas interessantes. Mas, por enquanto, merece ter seu fígado bicado.
Ilustração: Theo Szczepanski
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